Ondas que levam tristezas, trazem alegrias. Na costa do mar da Galícia, o Grupo Corpo buscou material poético para criar “Sem Mim”. Do outro lado do oceano, trouxeram a poesia galego-portuguesa das “cantigas de amigo”, do poeta Martín Codax (século 13). Sua melodia e métrica foram absorvidas e recriadas no ambiente de misturas brasileiro.
O rico encontro gerou a trilha de Carlos Núñez e José Miguel Wisnik. A musicalidade do Brasil é assunto comum na dança ou no teatro, porém dificilmente se consegue fugir dos clichês aos quais essa temática está condicionada.
“Sem Mim” se afasta do óbvio ao apresentar uma pesquisa pautada no elo de ancestralidade entre Europa e América, destrinchando-o na sonoridade contemporânea.
O lirismo feminino das “canções de amigo” encontra seu referencial na música popular brasileira, o que fica visível nas junções instrumentais e vocais. O mesmo refinamento acontece na movimentação. A companhia realiza com maestria o trânsito de informações que é princípio condutor da formação de uma cultura mestiça.
Na verdade, trata-se de um espiralamento de camadas - uma estrutura instigante. São muitas as camadas, que atravessam de forma indisciplinar a história, atando o século 21 à Idade Média (época em que Martin Codax escreveu as Canções de Amigo que Carlos Núñez e José Miguel Wisnik transformaram em uma trilha espetacular). O vem e vai no tempo é incessante, simultaneamente linear e transversal, e está em tudo: na música, na cenografia, nos figurinos, na coreografia. Ao mesmo tempo em que as referências vão sendo depositadas, transformam-se em seus próprios rastros, e produzem o traço singular de sem mim: a sua textura, que vira o amálgama que tudo reúne.